Ao me misturar nesses rostos de São Paulo, viro uma mera observadora e a primeira manifestação que vejo é um punhado de gente em volta de um pastor que está no meio da rua, segurando um microfone ligado ao amplificador, contando sobre um menino que vendeu seus brinquedos pra ajudar os pais necessitados e que isso era o poder divino de Deus sobre essa família, "o sangue de Cristo tem poder!", ele dizia. Logo depois não ouvi mais nada, pois por ali só estava de passagem.
Passando por uma parte do Viaduto do Chá, e lá é por onde passam empresários, turistas, artistas, e tantos outros e aonde residem empresas, mendigos e malucos de plantão. Nesse lugar mais uma manifestação acontece, essa é sucinta e eu também não dei muita ousadia, mas chegou a me fazer rir. Vejo um sujeito com uma camisa vermelha, suado de sol e que parece ter achado o caminho da rua por agora e ele grita pra ninguém ouvir: "Eu não sou deputado! (pausa) Eu não sou vereador! (pausa) Eu não sou político!"
Chegando no meu ponto de chegada, a 25 de Março, aonde você se esbarra nos outros de tanta gente, tive que ver mais outras coisas pra completar o ciclo da loucura que habita nessa cidade.
Vi um menino moreno fazendo coreografia de axé, deixando um chapéu no asfalto e achando que tava arrasando.Vi um senhor de cabelos longos, de raiban nos olhos, com seu belo violão de baixo do braço e sua inédita bateria de latinhas com um som que mais parecia um ruído. Ele até que chamava atenção com a sua criação. E voltando, vi uma dupla sertaneja de raiz, dois senhores, cantando na 25 de Março. Eu estava no meio do caos, um zigue zague de gente, camelô por toda parte, carro de polícia uivando, mulher anunciando objetos que por ali vendia; e por segundos vejo dois violeiros cantando pra te levar pra um outro lugar. A loucura tem sua beleza!
E essas pessoas que já não sabem ou não tem mais pra onde ir e às vezes ou muitas vezes não tem o que comer, se alimenta da loucura pra esquecer a pobreza, a tristeza, a injustiça e vai buscar nela a sua alegria.
Saindo um pouco do centro de São Paulo e indo pra uma outra coisa, mas tratando do mesmo assunto, um exemplo de uma pessoa que teve a loucura mais lúcida nessa vida foi Estamira, que morreu ontem por causa da demora do atendimento médico. Estamira era uma catadora de lixo que enxergava a realidade do mundo de uma maneira clara e em pequenas frases dizia o que era o mundo e o que havia de errado nele.
E já dizia Estamira:
"TUDO QUE É IMAGINÁRIO, TEM, EXISTE, É!"